Luzia - O crânio humano mais antigo da América

No Setor de Antropologia Biológica do Museu Nacional do Rio de Janeiro, situa-se o crânio humano mais antigo
já encontrado no Brasil, com datação de 11.500 anos. Influenciada pelo trabalho e pelas teorias de Peter Lund,
a arqueóloga Annette Laming-Emperaire realizou uma missão franco-brasileira em 1971, no sítio Lapa Vermelha
IV, em Lagoa Santa, Minas Gerais, onde encontrou ossadas humanas a cerca de 12 metros de profundidade.
Esse esqueleto foi "esquecido" nas gavetas de reserva técnica do Museu Nacional, até o bioantropólogo Walter
Neves começar a estudá-lo na década de 1990 e nomear o fóssil de Luzia.
Região de Lagoa Santa, 50 km de Belo Horizonte                                  Localização da Lapa Vermelha IV
O naturalista dinamarquês Peter Lund, adotava a teoria de que os homens chegaram na América antes do que
se imaginava e que conviveram com a megafauna na região de Lagoa Santa no período do Pleistoceno e em
setembro de 1843, executou escavações na gruta do Sumidouro, em Lagoa Santa. Com a missão de
Laming-Emperaire, pode-se constatar que a ocupação humana foi feita entre 11 e 12 mil anos. Com a morte da
arqueóloga em 1976, a missão foi interrompida e alguns dados se perderam, deixando as publicações com
informações escassas, como por exemplo, a estratigrafia do sítio e deixando no ar, o intuito da missão.
Crânio humano
Na década de 1990, o bioantropólogo, Walter Neves, professor e coordenador do Laboratório de Estudos
Evolutivos e Ecológicos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade Federal de São Paulo (IB/USP),
começou a trabalhar nessa ossada encontrada por Laming-Emperaire. Junto com outros crânios humanos
advindos de várias regiões da América do Sul, Neves realizou uma pesquisa de craniometria, realizando uma
comparação de crânios do Novo Mundo com do Velho Mundo, que o permitiu descobrir que aquele esqueleto
era semelhante aos materiais de antiguidade da Austrália, Melanésia e África e de que faria parte de um
conjunto populacional humano bem anterior da diferenciação morfológica, ou seja, um "sapiens não
diferenciado".  Era um crânio mais estreito e longo, com queixo proeminente e face curta, típica de uma
população afro-australiana. Dessa forma, o crânio chamou atenção pela sua morfologia não-mongolóide,
pois, quem tinha essa feição eram os índios. E com essa definição de morfologia, pode-se acrescentar na teoria
de Lund e também de Neves, de que houve uma povoação anterior aos povos indígenas, no continente
americano.
Walter Neves no laboratório de Estudos Evolutivos Humanos
Esquema da Teoria de Walter Neves
Neves deu nome ao crânio de Luzia, em referência ao nome Lucy, uma Australopithecus afarensis encontrada
na Etiópia, para representar o espécime brasileiro, que é uma prática comum dar um nome fantasia aos fósseis
importantes, para facilitar a circulação de debates. Estudos mais aprofundados concluíram que Luzia teria de
20 a 25 anos e media 1,50 metros. Conhecida como o esqueleto humano mais antigo encontrado no Brasil,
Luzia fez sucesso na segunda metade da década de 1990 quando foi realizada uma reconstituição facial,
revelando seu rosto.
Em 1998, o crânio de Luzia foi tomografado e enviado para o inglês Richard Neave, da Universidade de
Manchester. Na Inglaterra foi feito uma réplica em resina do crânio e utilizou-se argila castanho-avermelhada
para reconstituição facial, que traria uma representação africana em seu rosto. Quando se trata de reconstituição
a partir de um osso, as partes moles, como, o ápice nasal, orelhas, boca, são feitas de acordo com a referência
vivente que possui o crânio semelhante, e a mesma coisa é feita com a cor da pele e dos olhos.
Walter Neves ao lado da reconstituição de Luzia
Walter Neves realizou um novo projeto de escavação nomeado de "Origens" entre 2000 e 2009, em Lagoa Santa,
com o objetivo de testar as hipóteses de Lund, de que os humanos viveram, nem que seja por alguns anos, com
a megafauna. E pela primeira vez, foi confirmada a hipótese. Foram achados, com a datação de aproximadamente
9 mil anos, para um tigre dentes-de-sabre (Smilodon populator) e uma preguiça gigante (Scelidodon), deixando
claro a convivência de pelo menos 2 milênios, com o Homo sapiens. Nessa expedição, também tinha o objetivo de
refutar a ideia de que "somente com o crânio de Luzia" não alimentava sua teoria. Então, foram encontrados
partes de ossadas com características semelhantes ás de Luzia, enfatizando a teoria de Neves sobre o
povoamento não-mongolóide na América.

Projeto Origens de Walter Neves
Vista aérea de maciço calcário, onde há um abrigo
sobre rocha, em Matozinhos em Minas Gerais, fator que ajudou na preservação de esqueletos e Lagoa Santa
Partes de ossos com características semelhantes às de Luzia encontradas por Neves

REFERÊNCIAS
NEVES, Walter A.; DA-GLORIA, Pedro; HUBBE, Mark. Lagoa Santa: em busca dos primeiros americanos. Ciência e Cultura,
v. 68, n. 4, p. 52-55, 2016.
PIVETTA, Marcos. Africanos vieram antes. Pesquisa Fapesp, n. 66, p. 50, 2001.
NEVES, Walter A. et al. Lapa Vermelha IV hominid 1: morphological affinities of the earliest known American. Genetics and
Molecular Biology, v. 22, n. 4, p. 461-469, 1999.
SANTOS, Ricardo Ventura; NETO, Verlan Valle Gaspar. Entre ossos e cientistas: um mergulho na pré-história americana.
História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 16, n. 3, p. 811-814, 2009.
GASPAR NETO, Verlan Valle; SANTOS, Ricardo Ventura. A cor dos ossos: narrativas científicas e apropriações culturais
sobre" Luzia", um crânio pré-histórico do Brasil. Mana, v. 15, n. 2, p. 449-480, 2009.

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Jackeline Bianc

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